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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Sentado naquele cais em uma noite, com um traje um tanto quanto incomum, era quase como se me esperasse. Como se aguardasse que eu lhe dirigisse a palavra.
Um homem, altura mediana, cabelos grisalhos... E é claro, sua roupa incomum convencionalmente, que, por acaso, foi o que mais me chamou a atenção, fora sua expressão de total desarmonia com a vida, é claro...
Estava trajado com um terno roxo, seus sapatos, avulsos jogados ao seu lado...Seus olhos encaravam o oceano, mas era como se o próprio não guardasse água suficiente para chorar todas as lagrimas que aqueles olhos estavam guardando naquele momento.
Para mim, era uma fuga, para ele, parecia ser um refúgio.
Ao me aproximar dele, pude notar que ao seu lado havia um livro. Nenhuma palavra. Nenhuma letra. Nem ao menos uma imagem. Apenas um livro, fechado...no qual ele apoiava um dos braços com tamanha desatenção...Era como se sua alma flutuasse pela imensidão das águas gélidas que o oceano trazia e levava. E provavelmente, se eu retirasse o livro dali, ele nem ao menos notaria, ou se importaria.
Bom, era o que eu achava.
Estava a menos de cinco passos dele, e só havia o vento cortando nosso silêncio. Esperei que me notasse, mas ele parecia tão perdido em seus próprios pensamentos, que desisti dessa possibilidade.
Vagarosamente, e procurando fazer algum barulho (para que não o assustasse) me aproximei, e sentei ao seu lado no cais.
Olhei para seu rosto uma ou duas vezes, esperando algum tipo de comentário, algum sinal de espanto, ou então ao menos um olhar curioso. Nada.
Olhei para o livro...
- Então, é uma bela história?
Por um momento, achei que as minhas palavras se perderiam meio ao som das ondas, mas eis que então...uma resposta. Totalmente sutil, sua vos se fez presente:
- Quando comecei a escrever, era bela. Mas a cada final, é como se eu perdesse totalmente o rumo de tudo, até começar uma nova.
Podia sentir sua dor em cada palavra, e ao mesmo tempo, sua paz em cada ponto.
- O senhor é escritor ?
- Todos nós somos, querida...A diferença é que alguns conseguem segurar uma caneta e colocar a tinta aquilo que quiser, enquanto outros, bem...nascem e morrem guardando suas histórias para si próprios.
Fiquei boquiaberta...Aquela sensação de que ele apenas esperava para falar comigo se mostrava cada vez mais real, a cada resposta na ponta da língua que ele me dava.
Não houve resposta de minha parte, apenas olhei o oceano...
- Que mal lhe pergunte, o que uma senhorita como você está fazendo aqui a uma hora dessa da madrugada?
Sem saber bem o que responder, mantive meus olhos fixos na água...Eu não queria me lembrar do motivo que me fizera sair de casa aquela noite e parar especificamente ali.
- Insônia.
- Amor - ele relutou.
- O que disse?
- Amor. É a minha cafeína, e a fonte do meu trabalho. Digo, se é que posso chamar minhas histórias de trabalho.
Senti minha pele corar...Não que houvesse um motivo, mas me senti envergonhada. Ele empurrou o livro pelo chão até perto de mim. Vi a manga de seu terno roxo se mover com o vento enquanto o fazia...
- Posso? - pedi.
- Seria um atentado quanto a minha própria arte se não a deixasse ler...
Folheei rapidamente as paginas. Todas escritas a mão.
Não duvidaria se ali encontrasse bem mais de 400 paginas...E bem mais do que todas as histórias que eu poderia me recordar.
O homem, cujo nome eu nem ao menos havia perguntado, se levantou, pegou seus sapatos que descansavam ao seu lado, não se preocupou em arrumar seu terno roxo, levou a seu rosto seus óculos e colocou-se a andar.
- Ei ! Seu livro ! Não vai leva-lo?
- Minha jovem, tenho certeza de que a senhorita precisa muito ler algumas destas histórias...Aposto que se identificará, e quem sabe, ache algo que lhe faça bem. Se por ventura nos encontrarmos neste cais novamente, você poderá vir a me devolver o livro. Caso não o faça, bom, tenho uma a uma destas páginas entalhadas no meu velho coração.
Antes mesmo que eu pudesse pensar em agradecer, ou ter qualquer outra reação, ele virou-se, e foi andando...Se perdendo meio a neblina...
E mais adiante, só pude ouvir um último comentário...

- Belíssima, não? - Sua voz, rigorosa, não transparecia nenhum tipo de sentimento.
- Pois não, senhor?
- A lua...Belíssima, não?
- Com certeza...
E assim, ele se foi. Deixando para mim, todas as histórias que o coração de um homem poderia contar...Todos os finais felizes e tristes que uma pobre alma um dia foi obrigada a suportar.

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